A Educação Católica
§328. A América
Latina e o Caribe vivem uma particular e delicada emergência educativa. Na
verdade, as novas formas educacionais de nosso continente, impulsionadas para
se adaptar às novas exigências que se vão criando com a mudança global,
aparecem centradas prioritariamente na aquisição de conhecimentos e habilidades
e denotam claro reducionismo antropológico, visto que concebem a educação
preponderantemente em função da produção, da competitividade e do mercado. Por
outro lado, com frequência, elas propiciam a inclusão de fatores contrários à vida,
à família e a uma sadia sexualidade. Dessa forma, não manifestam os melhores
valores dos jovens nem seu espírito religioso; menos ainda lhes ensinam os
caminhos para superar a violência e se aproximar da felicidade, nem os ajudam a
levar uma vida sóbria e adquirir as atitudes, virtudes e costumes que tornariam
estável o lar que venham a estabelecer, e que os converteriam em construtores
solidários da paz e do futuro da sociedade.
§329. Diante
dessa situação, fortalecendo a estreita colaboração com os pais de família e
pensando em uma educação de qualidade à que têm direito, sem distinção, todos
os alunos e alunas de nossos povos, é necessário insistir no autêntico fim de toda
escola. É chamada a se transformar, antes de mais nada, em lugar privilegiado
de formação e promoção integral, mediante a assimilação sistemática e crítica
da cultura, fato que consegue mediante um encontro vivo e vital com o
patrimônio cultural. Isso supõe que tal encontro se realize na escola em forma
de elaboração, ou seja, confrontando e inserindo os valores perenes no contexto
atual. Na realidade, a cultura, para ser educativa, deve inserir-se nos
problemas do tempo no qual se desenvolve a vida do jovem. Dessa maneira, as
diferentes disciplinas precisam apresentar não só um saber por adquirir, mas
valores por assimilar e verdades por descobrir.
§330. Constitui
responsabilidade estrita da escola, enquanto instituição educativa, destacar a
dimensão ética e religiosa da cultura, precisamente com o objetivo de ativar o
dinamismo espiritual do sujeito e ajudá-lo a alcançar a liberdade ética que
pressupõe e aperfeiçoa a psicológica. Mas não se dá liberdade ética, a não ser
na confrontação com os valores absolutos dos quais dependem o sentido e o valor
da vida do ser humano. Inclusive no âmbito da educação, manifesta-se a
tendência a assumir a realidade como parâmetro dos valores, correndo dessa
forma o perigo de responder a aspirações secundárias e superficiais, e perder
de vista as exigências mais profundas do mundo contemporâneo (E.C. 30). A
educação humaniza e personaliza o ser humano quando consegue que este
desenvolva plenamente seu pensamento e sua liberdade, fazendo-o frutificar em
hábitos de compreensão e em iniciativas de comunhão com a totalidade da ordem
real. Dessa maneira, o ser humano humaniza seu mundo, produz cultura,
transforma a sociedade e constrói a história.
Os centros educativos
católicos
§331. A missão
primária da Igreja é anunciar o Evangelho de maneira tal que garanta a relação
entre a fé e a vida tanto na pessoa individual como no contexto sócio-cultural
em que as pessoas vivem, atuam e se relacionam entre si. Assim, a Igreja “procura
transformar, mediante a força do Evangelho, os critérios de juízo, os valores
determinantes, os pontos de interesse, as linhas de pensamento, as fontes
inspiradoras e os modelos de vida da humanidade que estão em contraste com a
Palavra de Deus e o desígnio de salvação”.
§332. Portanto,
quando falamos de educação cristã, entendemos que o mestre educa para um
projeto de ser humano em que habite Jesus Cristo com o poder transformador de
sua vida nova. Existem muitos aspectos nos quais se educa e entre os quais
consta o projeto educativo. Existem muitos valores, mas estes valores nunca
estão sozinhos, sempre formam uma constelação ordenada, explícita ou
implicitamente. Se a ordenação tem a Cristo como fundamento e fim, então essa
educação está recapitulando tudo em Cristo e é verdadeira educação cristã; se não,
pode falar de Cristo, mas corre o perigo de não ser cristã.
§333. Desse
modo se produz uma compenetração entre os dois aspectos. Quer dizer, não se
concebe a possibilidade de anunciar o Evangelho sem que este ilumine, infunda
alento e esperança e inspire soluções adequadas aos problemas da existência; muito
menos que se possa pensar em verdadeira e plena promoção do ser humano sem
abri-lo a Deus e anunciar-lhe Jesus Cristo.
§334. A Igreja
é chamada a promover em suas escolas uma educação centrada na pessoa humana que
é capaz de viver na comunidade oferecendo a esta o bem que a Igreja possui.
Diante do fato de que muitos se encontram excluídos, a Igreja deverá estimular
uma educação de qualidade para todos, formal e não formal, especialmente para
os mais pobres. Educação que ofereça às crianças, aos jovens e aos adultos o
encontro com os valores culturais do próprio país, descobrindo ou integrando
neles a dimensão religiosa e transcendente. Para isso, necessitamos de uma
pastoral da educação que seja dinâmica e acompanhe os processos educativos, que
seja voz que legitime e salvaguarde a liberdade de educação diante do Estado e
o direito a uma educação de qualidade para os mais despossuídos.
§335. Desse
modo, estamos em condições de afirmar que, no projeto educativo da escola
católica, Cristo, o Homem perfeito, é o fundamento em quem todos os valores
humanos encontram sua plena realização e, a partir daí, sua unidade. Ele revela
e promove o sentido novo da existência e a transforma, capacitando o homem e a
mulher a viverem de maneira divina, ou seja, para pensar, querer e agir segundo
o Evangelho, fazendo das bem-aventuranças a norma de suas vidas. Precisamente
pela referência explícita e compartilhada por todos os membros da comunidade
escolar, a visão cristã – ainda que em grau diverso, e respeitando a liberdade
de consciência e religiosa dos não cristãos presentes nela – a educação é
“católica”, pois os princípios evangélicos se convertem para ela em normas
educativas, motivações interiores e, ao mesmo tempo, em metas finais. Esse é o caráter
especificamente católico da educação. Jesus Cristo, pois, eleva e enobrece a
pessoa humana, dá valor à sua existência e constitui o perfeito exemplo de
vida. É a melhor notícia, proposta pelos centros de formação católica aos
jovens.
§336. Portanto,
a meta que a escola católica se propõe com relação às crianças e jovens, é a de
conduzir ao encontro com Jesus Cristo vivo, Filho do Pai, irmão e amigo, Mestre
e Pastor misericordioso, esperança, caminho, verdade e vida, e dessa forma à
vivência da aliança com Deus e com os homens. A escola o faz colaborando na
construção da personalidade dos alunos, tendo Cristo como referência no plano
da mentalidade e da vida. Tal referência, ao se fazer progressivamente
explícita e interiorizada, ajudará a ver a história como Cristo a vê, a julgar
a vida como Ele o faz, a escolher e amar como Ele, a cultivar a esperança como Ele
nos ensina e a viver nEle a comunhão com o Pai e o Espírito Santo. Pela
fecundidade misteriosa dessa referência, a pessoa se constrói na unidade
existencial, isto é, assume suas responsabilidades e procura o significado
último de sua vida. Situada na Igreja, comunidade de cristãos, ela consegue com
liberdade viver intensamente a fé, anunciá-la e celebrá-la com alegria na
realidade de cada dia. Como consequência, amadurecem e parecem conaturais as
atitudes humanas que levam a se abrir sinceramente à verdade, a respeitar e
amar as outras pessoas, a expressar sua própria liberdade na doação de si e no
serviço aos demais para a transformação da sociedade.
§337. A Escola
católica é chamada a uma profunda renovação.
Devemos resgatar a identidade católica de nossos centros educativos
por meio de um impulso missionário corajoso e audaz, de modo que chegue a ser
uma opção profética plasmada em uma pastoral da educação participativa. Tais
projetos devem promover a formação integral da pessoa, tendo seu fundamento em
Cristo, com identidade eclesial e cultural, e com excelência acadêmica. Além
disso, há de gerar solidariedade e caridade para com os mais pobres. O
acompanhamento dos processos educativos, a participação dos pais de família
neles e a formação de docentes, são tarefas prioritárias da pastoral educativa.
§338. Propõe-se
que nas instituições católicas a educação na fé seja integral e transversal em
todo o currículo, levando em consideração o processo de formação para encontrar
a Cristo e para viver como discípulos e missionários e inserindo nela
verdadeiros processos de iniciação cristã. Ao mesmo tempo, recomenda-se que a
comunidade educativa (diretores, mestres, pessoal administrativo, alunos, pais
de família etc.), enquanto autêntica comunidade eclesial e centro de
evangelização, assuma seu papel de formadora de discípulos e missionários em todos os seus
estratos.
Que, a partir daí, em comunhão com a comunidade cristã que
é sua matriz, promova um serviço pastoral no setor em que se insere,
especialmente dos jovens, da família, da catequese e da promoção humana dos
mais pobres. Esses objetivos são essenciais nos processos de admissão de
alunos, em suas famílias e na contratação dos docentes.
§339. Um
princípio irrenunciável para a Igreja é a liberdade de ensino. O amplo
exercício do direito à educação reivindica por sua vez, como condição para sua
autêntica realização, a plena liberdade que deve gozar toda pessoa para
escolher a educação de seus filhos que considere mais adequada aos valores que
eles mais estimam e que consideram indispensáveis. Pelo fato de haver dado a
vida aos filhos, os pais assumiram a responsabilidade de oferecer a eles
condições favoráveis para seu crescimento e a séria obrigação de educá-los. A
sociedade precisa reconhecê-los como os primeiros e principais educadores. O
dever da educação familiar, como primeira escola de virtudes sociais, é de
tanta transcendência que, quando falta, dificilmente pode ser suprida.
Esse princípio é irrenunciável.
§340. Esse
direito intransferível, que implica uma obrigação e que expressa a liberdade da
família na esfera da educação, por seu significado e alcance, precisa ser
decididamente garantido pelo Estado.
Por essa razão, o poder público, a quem compete a proteção
e a defesa das liberdades dos cidadãos, atendendo à justiça distributiva, deve
distribuir as ajudas públicas – que provêm dos impostos de todos os cidadãos –
de tal maneira que a totalidade dos pais, independente de sua condição social,
possam escolher, segundo sua consciência, em meio a uma pluralidade de projetos
educativos, as escolas adequadas para seus filhos. Esse é o valor fundamental e
a natureza jurídica que fundamenta a subvenção escolar. Portanto, a nenhum
setor educacional, nem sequer ao próprio Estado, se pode outorgar a faculdade
de se reservar o privilégio e a exclusividade da educação dos mais pobres, sem
com isso infringir importantes direitos. Desse modo, promovem-se direitos
naturais da pessoa humana, da convivência pacífica dos cidadãos e do progresso
de todos.
DA-Documento de Aparecida 2007
Nenhum comentário:
Postar um comentário