Cuidar da
fragilidade
§209. Jesus, o evangelizador por
excelência e o Evangelho em pessoa, identificou-Se especialmente com os mais
pequeninos (cf. Mt 25, 40). Isto recorda-nos, a todos os cristãos, que somos
chamados a cuidar dos mais frágeis da Terra. Mas, no modelo «do êxito» e
«individualista» em vigor, parece que não faz sentido investir para que os
lentos, fracos ou menos dotados possam também singrar na vida.
§210. Embora aparentemente não nos
traga benefícios tangíveis e imediatos, é indispensável prestar atenção e
debruçar-nos sobre as novas formas de pobreza e fragilidade, nas quais somos
chamados a reconhecer Cristo sofredor: os sem abrigo, os toxicodependentes, os
refugiados, os povos indígenas, os idosos cada vez mais sós e abandonados, etc.
Os
migrantes representam um desafio especial para mim, por ser Pastor duma Igreja
sem fronteiras que se sente mãe de todos. Por isso, exorto os países a uma
abertura generosa, que, em vez de temer a destruição da identidade local, seja
capaz de criar novas sínteses culturais.
Como são belas as cidades que superam a
desconfiança doentia e integram os que são diferentes, fazendo desta integração
um novo fator de progresso! Como são encantadoras as cidades que, já no seu
projeto arquitetônico, estão cheias de espaços que unem, relacionam, favorecem
o reconhecimento do outro!
§211. Sempre me angustiou a situação
das pessoas que são objeto das diferentes formas de tráfico. Quem dera que se
ouvisse o grito de Deus, perguntando a todos nós: «Onde está o teu irmão?» (Gn
4, 9). Onde está o teu irmão escravo? Onde está o irmão que estás matando cada
dia na pequena fábrica clandestina, na rede da prostituição, nas crianças
usadas para a mendicidade, naquele que tem de trabalhar às escondidas porque
não foi regularizado? Não nos façamos de distraídos! Há muita cumplicidade... A
pergunta é para todos! Nas nossas cidades, está instalado este crime mafioso e
aberrante, e muitos têm as mãos cheias de sangue devido a uma cômoda e muda
cumplicidade.
§212. Duplamente pobres são as mulheres
que padecem situações de exclusão, maus-tratos e violência, porque
frequentemente têm menores possibilidades de defender os seus direitos. E
todavia, também entre elas, encontramos continuamente os mais admiráveis gestos
de heroísmo quotidiano na defesa e cuidado da fragilidade das suas famílias.
§213. Entre estes seres frágeis, de que
a Igreja quer cuidar com predileção, estão também os nascituros, os mais
inermes e inocentes de todos, a quem hoje se quer negar a dignidade humana para
poder fazer deles o que apetece, tirando-lhes a vida e promovendo legislações
para que ninguém o possa impedir. Muitas vezes, para ridiculizar jocosamente a
defesa que a Igreja faz da vida dos nascituros, procura-se apresentar a sua
posição como ideológica, obscurantista e conservadora; e no entanto esta defesa
da vida nascente está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano.
Supõe a
convicção de que um ser humano é sempre sagrado e inviolável, em qualquer
situação e em cada etapa do seu desenvolvimento. É fim em si mesmo, e nunca um
meio para resolver outras dificuldades. Se cai esta convicção, não restam
fundamentos sólidos e permanentes para a defesa dos direitos humanos, que ficariam
sempre sujeitos às conveniências contingentes dos poderosos de turno.
Por si só a
razão é suficiente para se reconhecer o valor inviolável de qualquer vida
humana, mas, se a olhamos também a partir da fé, «toda a violação da dignidade
pessoal do ser humano clama por vingança junto de Deus e torna-se ofensa ao
Criador do homem».
§214. E precisamente porque é uma
questão que mexe com a coerência interna da nossa mensagem sobre o valor da
pessoa humana, não se deve esperar que a Igreja altere a sua posição sobre esta
questão. A propósito, quero ser completamente honesto. Este não é um assunto
sujeito a supostas reformas ou «modernizações».
Não é opção
progressista pretender resolver os problemas, eliminando uma vida humana. Mas é
verdade também que temos feito pouco para acompanhar adequadamente as mulheres
que estão em situações muito duras, nas quais o aborto lhes aparece como uma
solução rápida para as suas profundas angústias, particularmente quando a vida
que cresce nelas surgiu como resultado duma violência ou num contexto de
extrema pobreza. Quem pode deixar de compreender estas situações de tamanho
sofrimento?
§215. Há outros seres frágeis e
indefesos, que muitas vezes ficam à mercê dos interesses econômicos ou dum uso
indiscriminado. Refiro-me ao conjunto da criação. Nós, os seres humanos, não
somos meramente beneficiários, mas guardiões das outras criaturas.
Pela nossa
realidade corpórea, Deus uniu-nos tão estreitamente ao mundo que nos rodeia,
que a desertificação do solo é como uma doença para cada um, e podemos lamentar
a extinção de uma espécie como se fosse uma mutilação.
Não
deixemos que, à nossa passagem, fiquem sinais de destruição e de morte que
afetem a nossa vida e a das gerações futuras. Neste sentido, faço meu o
expressivo e profético lamento que, já há vários anos, formularam os Bispos das
Filipinas:
«Uma
incrível variedade de insetos vivia no bosque; e estavam ocupados com todo o
tipo de tarefas. (...) Os pássaros voavam pelo ar, as suas penas brilhantes e
os seus variados gorjeios acrescentavam cor e melodia ao verde dos bosques.
(...) Deus quis que esta terra fosse para nós, suas criaturas especiais, mas
não para a podermos destruir ou transformar num baldio. (...) Depois de uma
única noite de chuva, observa os rios de castanho-chocolate da tua localidade e
lembra-te que estão a arrastar o sangue vivo da terra para o mar. (...) Como
poderão os peixes nadar em esgotos como o rio Pasig e muitos outros rios que
poluímos? Quem transformou o maravilhoso mundo marinho em cemitérios subaquáticos
despojados de vida e de cor?»
§216. Pequenos mas fortes no amor de
Deus, como São Francisco de Assis, todos nós, cristãos, somos chamados a cuidar
da fragilidade do povo e do mundo em que vivemos.
Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium” Papa Francisco 24.11.2013
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