Chamados ao seguimento
de Jesus Cristo
§129. Por
assim dizer, Deus Pai sai de si para nos chamar a participar de sua vida e de
sua glória. Mediante Israel, povo que fez seu, Deus nos revela seu projeto de vida.
Cada vez que Israel procurou e necessitou de seu Deus, sobretudo nas desgraças
nacionais, teve singular experiência de comunhão com Ele, que o fazia partícipe
de sua verdade, sua vida e sua santidade. Por isso, não demorou em testemunhar
que seu Deus – diferentemente dos ídolos – é o “Deus vivo” (Dt 5,26) que o
liberta dos opressores (cf. Ex 3,7-10), que perdoa incansavelmente (cf. Ex
34,6; Eclo2,11) e que restitui a salvação perdida quando o povo, envolvido “nas
redes da morte” (Sl 116,3), suplicante a Ele se dirige (Cf. Is38,16).
- Deste Deus – que é seu Pai – Jesus afirmará que “não é um
Deus de mortos, mas de vivos” (Mc 12,27).
§130.
Nestes últimos tempos, Ele nos tem falado por meio de seu Filho Jesus (Hb
1,1ss), com quem chega a plenitude dos tempos (cf. Gl 4,4). Deus, que é Santo e
nos ama, nos chama por meio de Jesus a sermos santos (cf. Ef 1,4-5).
§131. O
chamado que Jesus Mestre faz, implica uma grande novidade. Na antiguidade, os
mestres convidavam seus discípulos a se vincular com algo transcendente e os
mestres da Lei propunham a adesão à Lei de Moisés. Jesus convida a nos encontrar
com Ele e a que nos vinculemos estreitamente a Ele, porque é a fonte da vida
(cf. Jo 15,1-5) e só Ele tem palavras de vida eterna (cf. Jo 6,68). Na
convivência cotidiana com Jesus e na confrontação com os seguidores de outros
mestres, os discípulos logo descobrem duas coisas bem originais no
relacionamento com Jesus.
- Por um lado, não foram eles que escolheram seu mestre,
foi Cristo quem os escolheu. E por outro lado, eles não foram convocados para
algo (purificar-se, aprender a Lei...), mas para Alguém, escolhidos para se
vincularem intimamente à Pessoa dele (cf. Mc 1,17; 2,14). Jesus os escolheu
para “que estivessem com Ele e para enviá-los a pregar” (Mc 3,14), para que o seguissem
com a finalidade de “ser dEle” e fazer parte “dos seus” e participar de sua
missão. O discípulo experimenta que a vinculação íntima com Jesus no grupo dos
seus é participação da Vida saída das entranhas do Pai, é formar-se para assumir
seu estilo de vida e suas motivações (cf. Lc 6,40b), correr sua mesma sorte e
assumir sua missão de fazer novas todas as coisas.
§132. Com
a parábola da Videira e dos Ramos (cf. Jo 15,1-8), Jesus revela o tipo de
vínculo que Ele oferece e que espera dos seus. Não quer um vínculo como
“servos” (cf. Jo 8,33-36), porque “o servo não conhece o que seu senhor faz”
(Jo 15,15). O servo não tem entrada na casa de seu amo, muito menos em sua vida.
Jesus quer que seu discípulo se vincule a Ele como “amigo” e como “irmão”. O
“amigo” ingressa em sua Vida, fazendo-a própria. O amigo escuta a Jesus,
conhece ao Pai e faz fluir sua Vida (Jesus Cristo) na própria existência (cf.
Jo 15,14), marcando o relacionamento com todos (cf. Jo 15,12). O “irmão” de
Jesus (cf. Jo 20,17) participa da vida do Ressuscitado, Filho do Pai celestial,
porque Jesus e seu discípulo compartilham a mesma vida que procede do Pai: o
próprio Jesus, por natureza (cf. Jo5,26; 10,30) e o discípulo por participação
(cf. Jo 10,10). A consequência imediata desse tipo de vínculo é a condição de
irmãos que os membros de sua comunidade adquirem.
§133.
Jesus faz dos discípulos seus familiares, porque compartilha com eles a mesma
vida que procede do Pai e lhes pede, como discípulos, uma união íntima com Ele,
obediência à Palavra do Pai, para produzirem frutos de amor em abundância.
Desta forma o testemunha São João no prólogo de seu Evangelho: “A todos aqueles
que crêem em seu nome, deu-lhes a capacidade de serem filhos de Deus”, e são
filhos de Deus que “não nascem por via de geração humana, nem porque o homem o
deseje, mas sim nascem de Deus” (Jo 1,12-13).
§134. Como
discípulos e missionários, somos chamados a intensificar nossa resposta de fé e
anunciar que Cristo redimiu todos os pecados e males da humanidade, “no aspecto
mais paradoxal de seu mistério, a hora da cruz. O grito de Jesus: “Deus, meu,
Deus meu, por que me abandonaste?” (Mc 15,34) não revela a angústia de um
desesperado, mas a oração do Filho que oferece a sua vida ao Pai no amor para a
salvação de todos”.
§135. A
resposta a seu chamado exige entrar na dinâmica do Bom Samaritano (cf. Lc
10,29-37), que nos dá o imperativo de nos fazer próximos, especialmente com
quem sofre, e gerar uma sociedade sem excluídos, seguindo a prática de Jesus
que come com publicanos e pecadores (cf. Lc 5,29-32), que acolhe os pequenos e
as crianças (cf. Mc 10,13-16), que cura os leprosos (cf. Mc 1,40-45), que
perdoa e liberta a mulher pecadora (cf. Lc7,36-49; Jo 8,1-11), que fala com a
Samaritana (cf. Jo 4,1-26).
Enviados a anunciar o
Evangelho do Reino da vida
§143.
Jesus Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, com palavras e ações e com
sua morte e ressurreição, inaugura no meio de nós o Reino de vida do Pai, que
alcançará sua plenitude lá onde não haverá mais “nem morte, nem luto, nem
pranto, nem dor, porque tudo o que é antigo terá desaparecido” (Ap21,4).
- Durante sua vida e com sua morte na cruz, Jesus
permanece fiel a seu Pai e à sua vontade (cf. Lc 22,42).
- Durante o ministério dele, os discípulos não foram
capazes de compreender que o sentido de sua vida selava o sentido de sua morte.
- Muito menos podiam compreender que, segundo o desígnio
do Pai, a morte do Filho era fonte de vida fecunda para todos (cf. Jo12,23-24).
O mistério pascal de Jesus é o ato de obediência e amor ao Pai e de entrega por
todos seus irmãos. Com esse ato, o Messias doa plenamente aquela vida que
oferecia nos caminhos e aldeias da Palestina. Por seu sacrifício voluntário, o
Cordeiro de Deus oferece sua vida nas mãos do Pai (cf. Lc 23,46), que o faz salvação
“para nós” (1 Cor 1,30). Pelo mistério pascal, o Pai sela a nova aliança e gera
um novo povo que tem por fundamento seu amor gratuito de Pai que salva.
§144. Ao
chamar os seus para que o sigam, Jesus lhes dá uma missão muito precisa:
anunciar o evangelho do Reino a todas as nações (cf. Mt 28,19; Lc 24,46-48).
Por isso, todo discípulo é missionário, pois Jesus o faz partícipe de sua
missão, ao mesmo tempo que o vincula a Ele como amigo e irmão. Dessa maneira, como
Ele é testemunha do mistério do Pai, assim os discípulos são testemunhas da
morte e ressurreição do Senhor até que Ele retorne. Cumprir essa missão não é
tarefa opcional, mas parte integrante da identidade cristã, porque é a extensão
testemunhal da vocação mesma.
§145.
Quando cresce no cristão a consciência de pertencer a Cristo, em razão da
gratuidade e alegria que produz, cresce também o ímpeto de comunicar a todos o
dom desse encontro. A missão não se limita a um programa ou projeto, mas é compartilhar
a experiência do acontecimento do encontro com Cristo, testemunhá-lo e
anunciá-lo de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade e da Igreja a todos
os confins do mundo (cf. At 1,8).
§146.
Bento XVI nos recorda que “o discípulo, fundamentado assim na rocha da Palavra
de Deus, sente-se motivado a levar a Boa Nova da salvação a seus irmãos.
Discipulado e missão são como as duas faces da mesma moeda: quando o discípulo
está apaixonado por Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que só Ele nos
salva (cf. At 4,12). De fato, o discípulo sabe que sem Cristo não há luz, não
há esperança, não há amor, não há futuro”. Essa é a tarefa essencial da
evangelização, que inclui a opção preferencial pelos pobres, a promoção humana
integral e a autêntica libertação cristã.
§147. Jesus
saiu ao encontro de pessoas em situações muito diferentes: homens e mulheres,
pobres e ricos, judeus e estrangeiros, justos e pecadores... convidando-os a
segui-lo. Hoje, continua convidando a encontrar nEle o amor do Pai. Por isso mesmo,
o discípulo missionário há de ser um homem ou uma mulher que torna visível o
amor misericordioso do Pai, especialmente para com os pobres e pecadores.
§148. Ao
participar dessa missão, o discípulo caminha para a santidade. Vivê-la na
missão o conduz ao coração do mundo. Por isso, a santidade não é fuga para o
intimismo ou para o individualismo religioso, tampouco abandono da realidade urgente
dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina e do
mundo, e muito menos fuga da realidade para um mundo exclusivamente espiritual.
Documento de Aparecida-2007
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