A piedade popular como lugar
de encontro com Jesus Cristo
§258. O
Santo Padre destacou a “rica e profunda religiosidade popular, na qual aparece
a alma dos povos latino-americanos”, e a apresentou como “o precioso tesouro da
Igreja Católica na América Latina”. Convidou a promovê-la e a protegê-la.
- Essa maneira de expressar a fé está presente de diversas
formas em todos os setores sociais, em uma multidão que merece nosso respeito e
carinho, porque sua piedade “reflete uma sede de Deus que somente os pobres e
simples podem conhecer”. A “religião do povo latino-americano é expressão da fé
católica.
- É um catolicismo popular”, profundamente inculturado,
que contém a dimensão mais valiosa da cultura latino-americana.
§259.
Entre as expressões dessa espiritualidade contam-se:
* as festas patronais, as novenas, os rosários e via-sacras,
as procissões,
* as danças e os cânticos do folclore religioso, o carinho
aos santos e aos anjos, as promessas, as orações em família.
- Destacamos as peregrinações onde é possível reconhecer o
Povo de Deus a caminho. Aí o cristão celebra a alegria de se sentir imerso em
meio a tantos irmãos, caminhando juntos para Deus que os espera.
- O próprio Cristo se faz peregrino e caminha ressuscitado
entre os pobres. - A decisão de caminhar em direção ao santuário já é uma
confissão de fé, o caminhar é um verdadeiro canto de esperança e a chegada é um
encontro de amor.
- O olhar do peregrino se deposita sobre uma imagem que
simboliza a ternura e a proximidade de Deus. O amor se detém, contempla o
mistério, desfruta dele em silêncio.
- Também se comove, derramando todo o peso de sua dor e de
seus sonhos. A súplica sincera, que flui confiante, é a melhor expressão de um
coração que renunciou à auto-suficiência, reconhecendo que sozinho nada pode.
- Um breve instante condensa uma viva experiência
espiritual.
§260. Aí,
o peregrino vive a experiência de um mistério que o supera, não só da
transcendência de Deus, mas também da Igreja, que transcende sua família e seu
bairro. Nos santuários, muitos peregrinos tomam decisões que marcam suas vidas.
As paredes dos santuários contêm muitas histórias de conversão, de perdão e de
dons recebidos que milhões poderiam contar.
§261. A
piedade popular penetra delicadamente a existência pessoal de cada fiel e,
ainda que se viva em uma multidão, não é uma “espiritualidade de massas”. Nos
diferentes momentos da luta cotidiana, muitos recorrem a algum pequeno sinal do
amor de Deus: um crucifixo, um rosário, uma vela que se acende para acompanhar
um filho em sua enfermidade, um Pai Nosso recitado entre lágrimas, um olhar
entranhável a uma imagem querida de Maria, um sorriso dirigido ao Céu em meio a
uma alegria singela.
§262. É
verdade que a fé que se encarnou na cultura pode ser aprofundada e penetrar
cada vez mais na forma de viver de nossos povos.
- Mas isso só pode acontecer se valorizarmos positivamente
o que o Espírito Santo já semeou. A piedade popular é “imprescindível ponto de
partida para conseguir que a fé do povo amadureça e se faça mais fecunda”.
- Por isso, o discípulo missionário precisa ser “sensível
a ela, saber perceber suas dimensões interiores e seus valores inegáveis”.
Quando afirmamos que é necessário evangelizá-la ou purificá-la, não queremos dizer
que esteja privada de riqueza evangélica. Simplesmente desejamos que todos os
membros do povo fiel, reconhecendo o testemunho de Maria e também dos santos,
procurem imitá-los cada dia mais. Assim procurarão contato mais direto com a
Bíblia e maior participação nos sacramentos, chegarão a desfrutar da celebração
dominical da Eucaristia e viverão ainda melhor o serviço do amor solidário.
- Por esse caminho será possível aproveitar ainda mais o
rico potencial de santidade e justiça social que a mística popular encerra.
§263. Não
podemos desvalorizar a espiritualidade popular ou considerá-la como modo
secundário da vida cristã, porque seria esquecer o primado da ação do Espírito
e a iniciativa gratuita do amor de Deus. A piedade popular contém e expressa um
intenso sentido da transcendência, uma capacidade espontânea de se apoiar em
Deus e uma verdadeira experiência de amor teologal.
- É também uma expressão de sabedoria sobrenatural, porque
a sabedoria do amor não depende diretamente da ilustração da mente, mas da ação
interna da graça. Por isso, a chamamos de espiritualidade popular. Ou seja, uma
espiritualidade cristã que, sendo um encontro pessoal com o Senhor, integra
muito o corpóreo, o sensível, o simbólico e as necessidades mais concretas das
pessoas. É uma espiritualidade encarnada na cultura dos simples, que nem por
isso é menos espiritual, mas que o é de outra maneira.
§264. A
piedade popular é uma maneira legítima de viver a fé, um modo de se sentir
parte da Igreja e uma forma de ser missionários, onde se recolhem as mais
profundas vibrações da América Latina. É parte de uma “originalidade histórica
cultural” dos pobres deste Continente, e fruto de “uma síntese entre as
culturas e a fé cristã”.
- No ambiente de secularização que vivem nossos povos,
continua sendo uma poderosa confissão do Deus vivo que atua na história e um
canal de transmissão da fé.
- O caminhar juntos para os santuários e o participar em
outras manifestações da piedade popular, levando também os filhos ou convidando
a outras pessoas, é em si mesmo um gesto evangelizador pelo qual o povo cristão
evangeliza a si mesmo e cumpre a vocação missionária da Igreja.
§265.
Nossos povos se identificam particularmente com o Cristo sofredor, olham-no,
beijam-no ou tocam seus pés machucados, como se dissessem: Este é “o que me
amou e se entregou por mim” (Gl 2,20).
- Muitos deles golpeados, ignorados, despojados, não
abaixam os braços.
- Com sua religiosidade característica se agarram no
imenso amor que Deus tem por eles e que lhes recorda permanentemente sua
própria dignidade.
- Também encontram a ternura e o amor de Deus no rosto de
Maria. Nela vêem refletida a mensagem essencial do Evangelho. Nossa Mãe querida,
desde o santuário de Guadalupe, faz sentir a seus filhos menores que eles estão
na dobra de seu manto. Agora, desde Aparecida, convida-os a lançar as redes ao
mundo, para tirar do anonimato aqueles que estão submersos no esquecimento e aproximá-los
da luz da fé. Ela, reunindo os filhos, integra nossos povos ao redor de Jesus
Cristo.
Documento de Aparecida 2007
Nenhum comentário:
Postar um comentário