De
pessoa a pessoa
§127. Hoje que a Igreja deseja viver
uma profunda renovação missionária, há uma forma de pregação que nos compete a
todos como tarefa diária: é cada um levar o Evangelho às pessoas com quem se
encontra, tanto aos mais íntimos como aos desconhecidos. É a pregação informal
que se pode realizar durante uma conversa, e é também a que realiza um
missionário quando visita um lar. Ser discípulo significa ter a disposição
permanente de levar aos outros o amor de Jesus; e isto sucede espontaneamente
em qualquer lugar: na rua, na praça, no trabalho, num caminho.
§128. Nesta pregação, sempre respeitosa
e amável, o primeiro momento é um diálogo pessoal, no qual a outra pessoa se
exprime e partilha as suas alegrias, as suas esperanças, as preocupações com os
seus entes queridos e muitas coisas que enchem o coração. Só depois desta
conversa é que se pode apresentar-lhe a Palavra, seja pela leitura de algum
versículo ou de modo narrativo, mas sempre recordando o anúncio fundamental: o
amor pessoal de Deus que Se fez homem, entregou-Se a Si mesmo por nós e, vivo,
oferece a sua salvação e a sua amizade.
É o anúncio
que se partilha com uma atitude humilde e testemunhal de quem sempre sabe
aprender, com a consciência de que esta mensagem é tão rica e profunda que
sempre nos ultrapassa. Umas vezes exprime--se de maneira mais direta, outras
através dum testemunho pessoal, uma história, um gesto, ou outra forma que o
próprio Espírito Santo possa suscitar numa circunstância concreta. Se parecer
prudente e houver condições, é bom que este encontro fraterno e missionário
conclua com uma breve oração que se relacione com as preocupações que a pessoa
manifestou. Assim ela sentirá mais claramente que foi ouvida e interpretada,
que a sua situação foi posta nas mãos de Deus, e reconhecerá que a Palavra de
Deus fala realmente à sua própria vida.
§129. Contudo não se deve pensar que o
anúncio evangélico tenha de ser transmitido sempre com determinadas fórmulas
pré-estabelecidas ou com palavras concretas que exprimam um conteúdo
absolutamente invariável. Transmite-se com formas tão diversas que seria
impossível descrevê-las ou catalogá-las, e cujo sujeito coletivo é o povo de
Deus com seus gestos e sinais inumeráveis. Por conseguinte, se o Evangelho se
encarnou numa cultura, já não se comunica apenas através do anúncio de pessoa a
pessoa. Isto deve fazer--nos pensar que, nos países onde o cristianismo é
minoria, para além de animar cada batizado a anunciar o Evangelho, as Igrejas
particulares hão de promover ativamente formas, pelo menos incipientes, de
inculturação.
Enfim, o
que se deve procurar é que a pregação do Evangelho, expressa com categorias
próprias da cultura onde é anunciado, provoque uma nova síntese com essa
cultura. Embora estes processos sejam sempre lentos, às vezes o medo
paralisa-nos demasiado. Se deixamos que as dúvidas e os medos sufoquem toda a
ousadia, é possível que, em vez de sermos criativos, nos deixemos simplesmente
ficar cômodos sem provocar qualquer avanço e, neste caso, não seremos
participantes dos processos históricos com a nossa cooperação, mas simplesmente
espectadores duma estagnação estéril da Igreja.
Carismas
ao serviço da comunhão evangelizadora
§130. O Espírito Santo enriquece toda a
Igreja evangelizadora também com diferentes carismas. São dons para renovar e
edificar a Igreja.
Não se
trata de um patrimônio fechado, entregue a um grupo para que o guarde; mas são
presentes do Espírito integrados no corpo eclesial, atraídos para o centro que
é Cristo, donde são canalizados num impulso evangelizador. Um sinal claro da
autenticidade dum carisma é a sua eclesialidade, a sua capacidade de se
integrar harmoniosamente na vida do povo santo de Deus para o bem de todos. Uma
verdadeira novidade suscitada pelo Espírito não precisa de fazer sombra sobre
outras espiritualidades e dons para se afirmar a si mesma. Quanto mais um
carisma dirigir o seu olhar para o coração do Evangelho, tanto mais eclesial
será o seu exercício. É na comunhão, mesmo que seja fadigosa, que um carisma se
revela autêntica e misteriosamente fecundo. Se vive este desafio, a Igreja pode
ser um modelo para a paz no mundo.
§131. As diferenças entre as pessoas e
as comunidades por vezes são incômodas, mas o Espírito Santo, que suscita esta
diversidade, de tudo pode tirar algo de bom e transformá-lo em dinamismo
evangelizador que atua por atração. A diversidade deve ser sempre conciliada
com a ajuda do Espírito Santo; só Ele pode suscitar a diversidade, a pluralidade,
a multiplicidade e, ao mesmo tempo, realizar a unidade. Ao invés, quando somos
nós que pretendemos a diversidade e nos fechamos em nossos particularismos, em
nossos exclusivismos, provocamos a divisão; e, por
outro lado, quando somos nós que queremos construir a unidade com os nossos
planos humanos, acabamos por impor a uniformidade, a homologação. Isto não
ajuda a missão da Igreja.
Cultura,
pensamento e educação
§132. O anúncio às culturas implica
também um anúncio às culturas profissionais, científicas e acadêmicas. É o
encontro entre a fé, a razão e as ciências, que visa desenvolver um novo
discurso sobre a credibilidade, uma apologética original que ajude a criar as predisposições para que o
Evangelho seja escutado por todos. Quando algumas categorias da razão e das
ciências são acolhidas no anúncio da mensagem, tais categorias tornam-se
instrumentos de evangelização; é a água transformada em vinho. É aquilo que,
uma vez assumido, não só é redimido, mas torna-se instrumento do Espírito para
iluminar e renovar o mundo.
§133. Uma vez que não basta a
preocupação do evangelizador por chegar a cada pessoa, mas o Evangelho também
se anuncia às culturas no seu conjunto, a teologia – e não só a teologia
pastoral – em diálogo com outras ciências e experiências humanas tem grande
importância para pensar como fazer chegar a proposta do Evangelho à variedade dos contextos culturais e dos
destinatários.
A Igreja, comprometida na evangelização, aprecia
e encoraja o carisma dos teólogos e o seu esforço na investigação teológica,
que promove o diálogo com o mundo da cultura e da ciência. Faço apelo aos
teólogos para que cumpram este serviço como parte da missão salvífica da
Igreja. Mas, para isso, é necessário que tenham a peito a finalidade
evangelizadora da Igreja e da própria teologia, e não se contentem com uma
teologia de gabinete.
§134. As universidades são um âmbito
privilegiado para pensar e desenvolver este compromisso de evangelização de
modo interdisciplinar e inclusivo. As escolas católicas, que sempre procuram
conjugar a tarefa educacional com o anúncio explícito do Evangelho, constituem
uma contribuição muito válida para a evangelização da cultura, mesmo em países
e cidades onde uma situação adversa nos incentiva a usar a nossa criatividade
para se encontrar os caminhos adequados.
Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium” Papa Francisco 24.11.2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário