Tentações dos agentes pastorais
Sim às relações novas geradas por Jesus
Cristo
Sequência da postagem “Pessimismo estéril”
§91. Um desafio importante é mostrar
que a solução nunca consistirá em escapar de uma relação pessoal e comprometida
com Deus, que ao mesmo tempo nos comprometa com os outros. Isto é o que se
verifica hoje quando os crentes procuram esconder-se e livrar-se dos outros, e
quando subtilmente escapam de um lugar para outro ou de uma tarefa para outra,
sem criar vínculos profundos e estáveis:
«A imaginação e mudança de lugares enganou
a muitos».
- É um remédio falso que faz
adoecer o coração e, às vezes, o corpo. Faz falta ajudar a reconhecer que o
único caminho é aprender a encontrar os demais com a atitude adequada, que é
valorizá-los e aceitá-los como companheiros de estrada, sem resistências
interiores. Melhor ainda, trata-se de aprender a descobrir Jesus no rosto dos
outros, na sua voz, nas suas reivindicações; e aprender também a sofrer, num
abraço com Jesus crucificado, quando recebemos agressões injustas ou
ingratidões, sem nos cansarmos jamais de optar pela fraternidade.
§92. Nisto está a verdadeira cura: de
facto, o modo de nos relacionarmos com os outros que, em vez de nos adoecer,
nos cura é uma fraternidade mística, contemplativa, que sabe ver a grandeza
sagrada do próximo, que sabe descobrir Deus em cada ser humano, que sabe
tolerar as moléstias da convivência agarrando-se ao amor de Deus, que sabe
abrir o coração ao amor divino para procurar a felicidade dos outros como a
procura o seu Pai bom. Precisamente nesta época, inclusive onde são um
«pequenino rebanho» (Lc 12, 32), os discípulos do Senhor são chamados a viver
como comunidade que seja sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5, 13-16). São
chamados a testemunhar, de forma sempre nova, uma pertença evangelizadora.
Não deixemos que nos roubem a comunidade!
Não ao mundanismo espiritual
§93. O mundanismo espiritual, que se
esconde por detrás de aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja, é buscar, em vez da glória do Senhor, a
glória humana e o bem-estar pessoal. É aquilo que o Senhor censurava aos
fariseus: «Como vos é possível acreditar, se andais à procura da glória uns dos
outros, e não procurais a glória que vem do Deus único?» (Jo 5, 44). É
uma maneira subtil de procurar «os próprios interesses, não os interesses de
Jesus Cristo» (Fl 2, 21). Reveste-se de muitas formas, de acordo com o
tipo de pessoas e situações em que penetra. Por cultivar o cuidado da
aparência, nem sempre suscita pecados de domínio público, pelo que externamente
tudo parece correto. Mas, se invadisse a Igreja, «seria infinitamente mais
desastroso do que qualquer outro mundanismo meramente moral».
§94. Este mundanismo pode alimentar-se
sobretudo de duas maneiras profundamente relacionadas:
Uma delas é o fascínio do gnosticismo, uma fé
fechada no subjetivismo, onde apenas interessa uma determinada experiência ou
uma série de raciocínios e conhecimentos que supostamente confortam e iluminam,
mas, em última instância, a pessoa fica enclausurada na imanência da sua
própria razão ou dos seus sentimentos.
A outra
maneira é o neopelagianismo auto-referencial e prometeuco de quem, no fundo, só
confia nas suas próprias forças e se sente superior aos outros por cumprir
determinadas normas ou por ser
irredutivelmente fiel a um certo estilo católico próprio do passado. É uma
suposta segurança doutrinal ou disciplinar que dá lugar a um elitismo
narcisista e autoritário, onde, em vez de evangelizar, se analisam e
classificam os demais e, em vez de facilitar o acesso à graça, consomem-se as
energias a controlar. Em ambos os casos, nem Jesus Cristo nem os outros
interessam verdadeiramente. São manifestações dum imanentismo antropocêntrico.
Não é possível imaginar que, destas formas desvirtuadas do cristianismo, possa
brotar um autêntico dinamismo evangelizador.
§95. Este obscuro mundanismo
manifesta-se em muitas atitudes, aparentemente opostas; mas com a mesma
pretensão de «dominar o espaço da Igreja». Nalguns, há um cuidado exibicionista
da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas não se preocupam que o
Evangelho adquira uma real inserção no povo fiel de Deus e nas necessidades
concretas da história. Assim, a vida da Igreja transforma-se numa peça de museu
ou numa possessão de poucos. Noutros, o próprio mundanismo espiritual
esconde-se por detrás do fascínio de poder mostrar conquistas sociais e
políticas, ou numa vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, ou numa
atração pelas dinâmicas de auto-estima e de realização auto-referencial.
Também se
pode traduzir em várias formas de se apresentar a si mesmo envolvido numa densa
vida social cheia de viagens, reuniões, jantares, recepções. Ou então
desdobra-se num funcionalismo empresarial, carregado de estatísticas,
planificações e avaliações, onde o principal beneficiário não é o povo de Deus
mas a Igreja como organização. Em qualquer um dos casos, não traz o selo de
Cristo encarnado, crucificado e ressuscitado, encerra-se em grupos de elite,
não sai realmente à procura dos que andam perdidos nem das imensas multidões
sedentas de Cristo. Já não há ardor evangélico, mas o gozo espúrio duma auto-complacência
egocêntrica.
§96. Neste contexto, alimenta-se a
vanglória de quantos se contentam com ter algum poder e preferem ser generais
de exércitos derrotados antes que simples soldados dum batalhão que continua a
lutar. Quantas vezes sonhamos planos apostólicos expansionistas, meticulosos e
bem traçados, típicos de generais derrotados! Assim negamos a nossa história de
Igreja, que é gloriosa por ser história de sacrifícios, de esperança, de luta
diária, de vida gasta no serviço, de constância no trabalho fadigoso, porque
todo o trabalho é «suor do nosso rosto». Em vez disso, entretemo-nos vaidosos a
falar sobre «o que se deveria fazer» – o pecado do «deveriaqueísmo» – como
mestres espirituais e peritos de pastoral que dão instruções ficando de fora.
Cultivamos a nossa imaginação sem limites e perdemos o contato com a dolorosa
realidade do nosso povo fiel.
§97. Quem caiu neste mundanismo olha
de cima e de longe, rejeita a profecia dos irmãos, desqualifica quem o
questiona, faz ressaltar constantemente os erros alheios e vive obcecado pela
aparência. Circunscreveu os pontos de referência do coração ao horizonte
fechado da sua imanência e dos seus interesses e, consequentemente, não aprende
com os seus pecados nem está verdadeiramente aberto ao perdão. É uma tremenda
corrupção, com aparências de bem. Devemos evitá-lo, pondo a Igreja em movimento
de saída de si mesma, de missão centrada em Jesus Cristo, de entrega aos
pobres. Deus nos livre de uma Igreja mundana sob vestes espirituais ou
pastorais! Este mundanismo asfixiante cura-se saboreando o ar puro do Espírito
Santo, que nos liberta de estarmos centrados em nós mesmos, escondidos numa
aparência religiosa vazia de Deus.
Não deixemos que nos roubem o Evangelho!
Exortação
Apostólica “Evangelii Gaudium” Papa Francisco 24.11.2013
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