Uma
renovação eclesial inadiável
27. Sonho com uma opção
missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os
horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal
proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à auto-preservação.
A reforma das estruturas, que a
conversão pastoral exige, só se pode entender neste sentido: fazer com que
todas elas se tornem mais missionárias, que a pastoral ordinária em todas as
suas instâncias seja mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes
pastorais em atitude constante de «saída» e, assim, favoreça a resposta
positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade. Como dizia João
Paulo II aos Bispos da Oceânia, «toda a renovação na Igreja há de ter como alvo
a missão, para não cair vítima duma espécie de introversão eclesial».
28. A paróquia não é uma
estrutura caduca; precisamente porque possui uma grande plasticidade, pode
assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade e a criatividade
missionária do Pastor e da comunidade. Embora não seja certamente a única
instituição evangelizadora, se for capaz de se reformar e adaptar constantemente,
continuará a ser «a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e
das suas filhas». Isto supõe que esteja realmente em contato com as famílias e
com a vida do povo, e não se torne uma estrutura complicada, separada das
pessoas, nem um grupo de eleitos que olham para si mesmos. A
paróquia é presença eclesial no território, âmbito para a escuta da Palavra, o
crescimento da vida cristã, o diálogo, o anúncio, a caridade generosa, a
adoração e a celebração. Através de todas as suas atividades, a paróquia
incentiva e forma os seus membros para serem agentes da evangelização. É
comunidade de comunidades, santuário onde os sedentos vão beber para
continuarem a caminhar, e centro de constante envio missionário. Temos, porém,
de reconhecer que o apelo à revisão e renovação das paróquias ainda não deu
suficientemente fruto, tornando-as ainda mais próximas das pessoas, sendo
âmbitos de viva comunhão e participação e orientando-as completamente para a
missão.
29. As outras instituições
eclesiais, comunidades de base e pequenas comunidades, movimentos e outras
formas de associação são uma riqueza da Igreja que o Espírito suscita para
evangelizar todos os ambientes e setores. Frequentemente trazem um novo ardor
evangelizador e uma capacidade de diálogo com o mundo que renovam a Igreja. Mas
é muito salutar que não percam o contato com esta realidade muito rica da
paróquia local e que se integrem de bom grado na pastoral orgânica da Igreja
particular. Esta integração evitará que fiquem só com uma parte do Evangelho e
da Igreja, ou que se transformem em nómades sem raízes.
30. Cada Igreja particular,
porção da Igreja Católica sob a guia do seu Bispo, está, também ela, chamada à
conversão missionária. Ela é o sujeito primário da evangelização, enquanto é a
manifestação concreta da única Igreja num lugar da terra e, nela, «está
verdadeiramente presente e opera a Igreja de Cristo, una, santa, católica e
apostólica».
É a Igreja encarnada num espaço concreto,
dotada de todos os meios de salvação dados por Cristo, mas com um rosto local.
A sua alegria de comunicar Jesus Cristo exprime-se tanto na sua preocupação por
anunciá-Lo noutros lugares mais necessitados, como numa constante saída para as
periferias do seu território ou para os novos âmbitos socioculturais. - Procura
estar sempre onde fazem mais falta a luz e a vida do Ressuscitado. Para que
este impulso missionário seja cada vez mais intenso, generoso e fecundo, exorto
também cada uma das Igrejas particulares a entrar decididamente num processo de
discernimento, purificação e reforma.
31. O Bispo deve favorecer sempre
a comunhão missionária na sua Igreja diocesana, seguindo o ideal das primeiras
comunidades cristãs, em que os crentes tinham um só coração e uma só alma (cf.
Act 4, 32).
Para isso, às vezes pôr-se-á à
frente para indicar a estrada e sustentar a esperança do povo, outras vezes
manter-se-á simplesmente no meio de todos com a sua proximidade simples e
misericordiosa e, em certas circunstâncias, deverá caminhar atrás do povo, para
ajudar aqueles que se atrasaram e sobretudo porque o próprio rebanho possui o
olfato para encontrar novas estradas.
Na sua missão de promover uma
comunhão dinâmica, aberta e missionária, deverá estimular e procurar o
amadurecimento dos organismos de participação propostos pelo Código de Direito Canónico34
e de outras formas de diálogo pastoral, com o desejo de ouvir a todos, e não
apenas alguns sempre prontos a lisonjeá-lo. Mas o objetivo destes processos
participativos não há de ser principalmente a organização eclesial, mas o sonho
missionário de chegar a todos.
32. Dado que sou chamado a viver
aquilo que peço aos outros, devo pensar também numa conversão do papado.
Compete-me, como Bispo de Roma, permanecer aberto às sugestões tendentes a um
exercício do meu ministério que o torne mais fiel ao significado que Jesus
Cristo pretendeu dar-lhe e às necessidades atuais da evangelização.
O Papa João Paulo II pediu que o
ajudassem a encontrar «uma forma de exercício do primado que, sem renunciar de
modo algum ao que é essencial da sua missão, se abra a uma situação nova».
Pouco temos avançado neste sentido. Também o papado e as estruturas centrais da
Igreja universal precisam de ouvir este apelo a uma conversão pastoral.
O Concílio Vaticano II afirmou
que, à semelhança das antigas Igrejas patriarcais, as conferências episcopais
podem «aportar uma contribuição múltipla e fecunda, para que o sentimento
colegial leve a aplicações concretas». Mas este desejo não se realizou plenamente,
porque ainda não foi suficientemente explicitado um estatuto das conferências
episcopais que as considere como sujeitos de atribuições concretas, incluindo
alguma autêntica autoridade doutrinal. Uma centralização excessiva, em vez de
ajudar, complica a vida da Igreja e a sua dinâmica missionária.
33. A pastoral em chave
missionária exige o abandono deste cómodo critério pastoral: «fez-se sempre
assim». Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os
objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas
comunidades.
Uma identificação dos fins, sem
uma condigna busca comunitária dos meios para os alcançar, está condenada a traduzir-se
em mera fantasia. A todos exorto a aplicarem, com generosidade e coragem, as
orientações deste documento, sem impedimentos nem receios. Importante é não
caminhar sozinho, mas ter sempre em conta os irmãos e, de modo especial, a guia
dos Bispos, num discernimento pastoral sábio e realista.
Exortação Apostólica “Evangelii
Gaudium” Papa Francisco 24.11.2013
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