Jesus e Israel
§574. Desde o início do ministério
público de Jesus, fariseus e adeptos de Herodes, com sacerdotes e escribas,
mancomunaram-se para matá-lo. Por causa de certos atos por ele praticados
(expulsão de demônios, perdão dos pecados, curas em dia de sábado interpretação
original dos preceitos de pureza da Lei, familiaridade com os publicanos e com
pecadores públicos), Jesus pareceu a alguns mal-intencionados, suspeito de
possessão demoníaca. Ele é acusado de blasfêmia e de falso profetismo, crimes
religiosos que a Lei punia com a pena de morte sob forma de apedrejamento.
§575. Muitos atos e palavras de Jesus
constituíram, portanto, um sinal de contradição" para as autoridades
religiosas de Jerusalém – que o Evangelho de São João com frequência denomina
"os judeus" – mais ainda do que para o comum do povo de Deus. Sem
dúvida, suas relações com os fariseus não foram exclusivamente polêmicas. São os
fariseus que o previnem do perigo que corre. Jesus elogia alguns deles, como o
escriba de Mc 12,34, e repetidas vezes come com fariseus. Jesus confirma
doutrinas compartilhadas por essa elite religiosa do povo de Deus: a
ressurreição dos mortos, as formas de piedade (esmola, jejum e oração) e o
hábito de dirigir-se a Deus como Pai, a centralidade do mandamento do amor a
Deus e ao próximo.
§576. Aos olhos de muitos, em Israel,
Jesus parece agir contra as instituições essenciais do Povo eleito:
·
a
submissão à Lei na integralidade de seus preceitos escritos e, para os
fariseus, na interpretação da tradição oral;
·
a
centralidade do Templo de Jerusalém como lugar santo, em que Deus habita de forma
privilegiada;
·
a fé no
Deus único, cuja glória nenhum homem pode compartilhar.
Jesus e a Lei
§577. Jesus fez uma advertência solene
no começo do Sermão da Montanha (Mt 5,17-19), em que apresentou a Lei dada por Deus
no Sinai por ocasião da Primeira Aliança à luz da graça da Nova Aliança.
§578. Jesus, o Messias de Israel,
portanto o maior no Reino dos Céus tinha a obrigação de cumprir a Lei,
executando-a em sua integridade até seus mínimos preceitos, segundo suas
próprias palavras. Ele é o único que conseguiu cumpri-la com perfeição. Os
judeus, conforme sua própria confissão, nunca conseguiram cumprir a Lei em sua integridade
sem violar lhe o mínimo preceito. Esta é a razão pela qual, em cada festa anual
da Expiação, os filhos de Israel pedem a Deus perdão por suas transgressões da
Lei. Com efeito, a Lei constitui um todo e, como recorda São Tiago,
"aquele que guarda toda a Lei, mas desobedece a um só ponto, torna- se
culpado da transgressão da Lei inteira" (Tg 2,10).
§580. O cumprimento perfeito da Lei só
podia ser obra do Legislador divino nascido sujeito à Lei na pessoa do Filho.
Em Jesus, a Lei não aparece mais gravada nas tábuas de pedra, mas "no
fundo do coração" (Jr 31,33) do Servo, o qual, pelo fato de "trazer
fielmente o direito" (Is 42,3), se tornou "a Aliança do povo"
(Is 42,6). Jesus cumpriu a Lei até o ponto de tomar sobre si "a maldição
da Lei" na qual incorreram aqueles que "não praticam todos os
preceitos da mesma, pois "a morte de Cristo aconteceu para resgatar as
transgressões cometidas no Regime da Primeira Aliança" (Hb 9, 15).
§581. Jesus apareceu aos olhos dos
judeus e de seus chefes espirituais como um "rabi". Com frequência
argumentou na linha da interpretação rabínica da Lei. Mas ao mesmo tempo Jesus
só podia chocar os doutores da Lei, já que não se contentava em propor sua
interpretação em pé de igualdade com as deles, senão que "ensinava como
alguém que tem autoridade, e não como os escribas" (Mt 7,28-29). Nele, é a
mesma Palavra de Deus que tinha ressoado no Sinai para a Moisés a Lei escrita,
que se faz ouvir novamente sobre o Monte Bem-aventuranças. Ela não abole a Lei,
mas a cumpre, fornecendo de modo divino a interpretação última dela:
"Aprendestes o que foi dito aos antigos... eu, porém, vos digo" (Mt
5,33-34). Com esta mesma autoridade divina, Ele desabona certas "tradições
humanas" dos fariseus que "invalidam a Palavra de Deus".
Jesus e o Templo
§583. Jesus, como os profetas
anteriores a Ele, teve pelo Templo de Jerusalém o mais profundo respeito. Nele
foi apresentado por José e Maria quarenta dias após seu nascimento. Com doze
anos, decide ficar no Templo para lembrar a seus pais que deve dedicar-se às
coisas de seu Pai. Durante os anos de sua vida oculta, subiu ao Templo a cada
ano, no mínimo por ocasião da Páscoa; até seu ministério público foi ritmado
por suas peregrinações a Jerusalém para as grandes festas judaicas.
§584. Jesus subiu ao Templo como lugar
privilegiado de encontro com Deus. O Templo é para ele a morada de seu Pai, uma
casa de oração, e se indigna pelo fato de seu átrio externo ter-se tornado um
lugar de comércio. Se expulsa os vendilhões do Templo, é por amor zeloso a seu
Pai. "Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio. Seus discípulos
lembram-se do que está escrito: 'O zelo por tua casa me devorará' (Sl 69)"
(Jo 2,16-17). Depois de sua Ressurreição, os apóstolos mantiveram um respeito
religioso pelo Templo.
§585. Contudo, no limiar de sua Paixão,
Jesus anunciou a ruína desse esplêndido edifício, do qual não restará
mais pedra sobre pedra. Há aqui o anúncio de um sinal dos tempos finais
que vão abrir-se com sua própria Páscoa. Esta profecia, porém, pode ser
relatada de modo deformado por testemunhas falsas no momento do interrogatório
de Jesus diante do sumo sacerdote, sendo-lhe atribuída como injúria quando ele
foi pregado à cruz.
Jesus e a fé de Israel no Deus Único e
Salvador
§587. Se a Lei e o Templo de Jerusalém
puderam ser ocasião de "contradição" da parte de Jesus para as
autoridades religiosas de Israel, foi o papel dele na redenção dos pecados,
obra divina por excelência, que constituiu para elas a verdadeira pedra de
escândalo.
§588. Jesus
escandalizou os fariseus ao comer com os publicanos e os pecadores com a mesma
familiaridade com que comia com eles. Contra os que, dentre os fariseus,
estavam "convencidos de serem justos e desprezavam os outros" (Lc
18,9), Jesus afirmou: "Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores, ao
arrependimento" (Lc 5,32). Foi mais longe ao proclamar diante dos fariseus
que, sendo o pecado universal, os que pretendem não necessitar de salvação
estão cegos para sua própria cegueira.
§590. Somente a identidade divina da
pessoa de Jesus pode justificar uma exigência tão absoluta quanto esta:
"Aquele que não está comigo está contra mim" (Mt 12,30); assim,
também, quando diz que nele está "mais do que Jonas... mais do que
Salomão" (Mt 12,41-42), "mais do que o Templo"; ou quando
lembra, referindo-se a si mesmo, que Davi chamou o Messias de seu Senhor, ao a
firmar "Antes que Abraão fosse, Eu Sou" (Jo 8,58); e até "Eu e o
Pai somos um" (Jo 10,30).
§591. Jesus pediu às autoridades
religiosas de Jerusalém que cressem nele por causa das obras de seu Pai que ele
realiza. Tal ato de fé tinha de passar, no entanto, por uma misteriosa morte de
si mesmo em vista de um novo "nascimento do alto", sob o impulso da
graça divina.
CIC-Catecismo da Igreja Católica
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